domingo, 4 de diciembre de 2011

O CORAÇÃO APAIXONADO DO EMBONDEIRO

Por: Marcelo Panguana
Começo a leitura da minha modesta apreciação com este significativo provérbio retirado nas páginas deste livro e que nada mais pretende senão o de nos dar a dimensão antropológica do embondeiro. E cito:

Se beberes água com as sementes do baobá,
Ficarás protegido do ataque dos crocodilos.
Mas se te atreveres a arrancar uma flor ao baobá,
Morrerás devorado por um leão.

A primeira constatação que tive, logo que o livro me chegou as mãos, foi de que o livro era belo. A segunda constatação foi de que o seu autor era um peruano, um fulano chamado Rafo Diaz e que havia nascido num local habitado por espíritos, fantasmas e outros seres estranhos, isto é, o autor do livro “O coração apaixonado do embondeiro”, vem de um lugar estranho, propício para o nascimento de bruxos ou macumbeiros. Tal vez tenha sido essa sua proveniência que fez com que se tornasse um escritor. Quem sabe? A terceira constatação foi o de ter descoberto, com alguma perplexidade, que os embondeiros, essas árvores seculares existentes no nosso país, também amavam.


Essa perplexidade levou-me a tentar descobrir a história dessa árvore sagrada. E descobri muitas coisas. Descobri, eu que nada sei de árvores, que o embondeiro também se chama Baobá. E aqui me recordei do titulo dum livro pertencente a um escritor moçambicano cujo reconhecimento, por parte de todos nos, tarda à aparecer, o Suleiman Cassamo, que escreveu e publicou em 1997, uma belíssima colectânea de textos chamada exactamente “O amor de Baobá”, isto é, o amor do embondeiro, um amor que é elevado a uma dimensão e grandiosidade comparável a da própria arvore, tudo escrito dessa forma que caracteriza a escrita Cassamiana, isto é: a contenção do discurso, o trabalho da palavra, o traço cultural, a frase curta e poeticamente simples.


Descobri no processo da leitura deste livro as múltiplas funções do embondeiro. A generosidade com que se oferece à necessidade dos homens e animais. As dimensões inimagináveis que chega a atingir. Ou o facto de no seu interior poderem coabitar seres vivos e espíritos dos antepassados. Descobri que tem uma fruta chamada malambe na língua xi-nyungwe de Tete, bastante consumida naquela região. sobretudo em tempos de escassez de alimentos. Soube que em Madagáscar, por exemplo, acabou por se tornar na árvore de eleição e símbolo da nação. Que no Senegal a veneram muito mais do que veneram um dirigente político eleito pelo povo. Descobri um inacabável repertorio de fabulas e mitos que em áfrica se criaram em torno do embondeiro. E compreendi, então, o fascínio de Rafo Diaz e a razão que o levou a escrever sobre o embondeiro, as palavras belas que escreveu.


Cuando acabei de ler esta pequena obra inspirada em crenças populares africanas sobre o embondeiro, ou o baobá, recordei-me da questão que se coloca todas as vezes que nos é apresentado um livro deste género, isto é, se estamos perante uma obra destinada aos mais novos ou aos mais velhos? Será que interessa continuar a rotular os géneros literários e limitar acessos? Porque uma obra literária, infantil ou não, vale em primeiro lugar pela sua capacidade de sedução, e depois por essa possibilidade de poder atingir um universo multi-etário. E o livro de Rafo Diaz conseguiu atingir esse propósito, por conseguinte me declaro, agora e aqui, mais um leitor seduzido pela escrita deste peruano cidadão do mundo.


Pouco importa, pois, o universo a que o autor se dirige, embora seja legítimo afirmar que no coração apaixonado do embondeiro, além do encontro com a cultura e a memória, sente-se essa revisitação aos lugares da infância que o imaginário de Rafo Diaz nos consente. Suponho que a possibilidade de regressar aos tempos da infância, ao universo do sonho, da pureza, deve ter sido um dos prazeres maiores do autor ao longo da escrita. Suponho que todas as vezes que isso aconteceu e o autor se afastava deste mundo de desencantos para viver num mundo de magia, se sentiu o homem mais feliz de todos os homens, se considerarmos que só se pode ser feliz quando a escrita nos permite chegar aos lugares da utopia.


O livro é composto por seis histórias. Todas elas tendo o embondeiro, ou baobá, como seu epicentro. Cada uma delas evidência a grandiosidade do embondeiro, a sua formosura e inteligência, a vaidade, a capacidade de amar outros seres, as suas possibilidades terapêuticas ou então a sua longevidade. O texto que oferece o título ao livro corporiza o que é a vocação dos contos de tradição oral, que é o de deixar um legado, primeiro cultural, segundo o ensinamento das coisas da vida, incluindo, obviamente, o amor. A leitura deste livro constitui também um acto de aprendizagem, pois que existe uma deliberada intenção de passar conhecimentos sobre a árvore mais gigantesca que existe em áfrica, uma árvore que decora as histórias dos livros, que sustenta mitos e desenvolve crenças. De modo que podemos concluir que a uma árvore com todos esses méritos nada lhe pode faltar para possuir a capacidade de amar.

Os desenhos de Ruth Banon completam o imaginário de Rafo Diaz. Dão-lhe o toque de realidade que algumas vezes as palavras se mostram incapazes de alcançar. Dão-lhe cor, perfume, movimento e esse toque de magia que trespassa os seis belíssimos contos que compõem esta obra. Pode se dizer, sem nenhuma possibilidade de engano, que estamos perante uma dessas obras que serve perfeitamente para quem pretenda iniciar uma relação de afectividade com a literatura, justamente porque transporta o conhecimento que Rafo Diaz foi se apropriando como artista multifacetado, essencialmente como fazedor e contador de historias.

A minha profunda esperança é de que este livro chegue, sobretudo, as mãos das crianças, se consideramos que quanto mais cedo os mais novos entrarem em contacto com as historias, com os livros ditos infantis, com o mundo da fantasia ou imaginário, melhor será o seu desenvolvimento e mais rápido a criança desperta para o mundo da escrita e torna-se uma pessoa criativa e reflexiva.

Para terminar quero dizer que apesar de ter lido atentamente estas interessantes histórias permaneço ainda com a mesmíssima questão que durante algum tempo da sua infância atormentou o Rafo Diaz: “Como é que uma árvore podia ser tão grande e capaz de destruir um planeta inteiro?”

Muito obrigado

Marcelo Dias Panguana (Maputo, 30 de Março de 1951) Cronista, jornalista, poeta, autor de contos, reconhecido internacionalmente. Colabora em jornais como Domingo, Notícias, é o editor da revista “Proler”, um emblema das artes Moçambicanas. Membro da Associação dos Escritores Moçambicanos.

Recebeu prémios de reconhecimento na Itália (Sicília) e no Brasil (medalha de prata em concurso da Fundação Mário Marinho - ALAP).

Obras publicadas:

“As Vozes que Falam de Verdade”. Maputo, Associação Escritores Moçambicanos, 1987.
“A Balada dos Deuses”. Maputo, Associação Escritores Moçambicanos, 1991.
“Fazedores da Alma”. 1999.

No hay comentarios:

Publicar un comentario