miércoles, 5 de diciembre de 2012



Para Aristóteles a paixão e a acção são categorias contrárias. A acção pressupõe uma motivação, nascida do próprio sujeito, e a paixão uma «mania» que está antes associada à possessão. Não se sabe de que lado está verdadeiramente quem pinta cobras com o afinco do peruano Rafo Diaz, mas dado o rigor técnico que põe em camuflá-las e confundi-las em padrões alheios (por exemplo, nos dos tecidos da capulana africana) podemos deduzir que está possesso e que o seu pincel é o instrumento do xamã.
Mas já não é um xamã inocente, antes aquele que se apropria das próprias dúvidas para fortalecer-se numa linguagem pictórica que faz da sua própria paródia fé. Por isso em Rafo Diaz encontramos uma pintura visionária que transforma as cobras em vivificadas mandalas e simultaneamente observamos que a sua expressão não é destituída de humor, de uma apropriação lúdica, até nos materiais que tornam esta figuração psicadélica e lucilante. Há uma nítida permanência da infância nesta atmosfera pictórica de um criador que é também umgrande contador de histórias para as crianças.
Ademais, Rafo Diaz é um pintor na fronteira entre mundos, o das suas tradições peruanas, índias, com a sua garrida pauta cromática, e o da paródia pós-moderna, com o seu jogo da desconstrução; da mesma forma que mapeia o seu itinerário a partir de raízes multiculturais e onde o enlace feliz entre a sua tradição e o que lhe permite a vivência das tradições africanas autoriza uma expressão dinâmica e convincente.
Belas cobras que tatuam a menina do olho, e às vezes penetram.
António Cabrita.
Escritor português, jornalista e critico literário residente em Moçambique.